

Quando o assunto é Afeganistão, Lourival Sant’Anna tem muitas histórias para contar. Ao todo, foram quatro visitas ao país, sendo a última neste ano, quando o Talibã tomou o poder. Em sua última passagem pelo país, o jornalista presenciou cenas que certamente vão ficar marcadas para sempre em sua memória. De bata e barba grande, Lourival revelou que em meio a guerra e consequentemente o perigo eminente, precisou se “passar por um deles”.
Em entrevista ao portal Notícias da TV, o experiente jornalista analisou o cenário em que estava inserido e contou detalhes do comportamento dos extremistas: “Encontrei a segunda geração de talibãs no poder, e eles são essencialmente iguais à anterior: norteiam todas as suas decisões com justificativa em uma religião que não conhecem, já que são em sua imensa maioria analfabetos e apenas decoraram versos do Alcorão em árabe, que não compreendem. São obcecados pelas aparências, como barbas e véus”.
Mesmo em meio aos momentos de tensão, Lourival estava disposto e decidido a entrar no Afeganistão. Mas, para isso, contou que precisou se desdobrar junto a embaixada do Afeganistão no Paquistão, para conseguir autorização para entrar no país: “Os funcionários ainda são os do governo anterior e, portanto, inimigos do Talibã. O funcionário que me atendeu, da minoria hazara, perseguida pelos grupo, me perguntou se eu estava ciente dos riscos. Expliquei que minha especialidade é cobrir guerras e contei sobre minha carreira”.
O jornalista falou sobre o trajeto que precisou fazer até chegar ao local e revelou ter sido a única pessoa a entrar no país naquele momento: “Percorri então três horas de carro de Islamabad até Peshawar, perto da fronteira, onde passei a noite. Na manhã de sábado, 11 de setembro, quando cruzei a pé o posto de fronteira de Torkham, o funcionário da imigração paquistanesa também me perguntou o motivo pelo qual queria entrar no Afeganistão, quando todos queriam sair de lá, e me avisou: ‘Não é seguro’. Fui a única pessoa a entrar naquela manhã”.
Lourival disse que ao chegar no Afeganistão, precisou ser acompanhado por um agente do grupo e passou por lugares estranhos, dentro de uma realidade rodeada de muito medo e tensão por todos os cantos: “Do outro lado, fui conduzido por um talibã por um longo corredor coberto e cercado de alambrados, até encontrar um dos meus produtores afegãos, contratados previamente”.
O jornalista disse que os profissionais da imprensa precisam de uma autorização, que custa mais de mil reais, para que possam ingressar: “Ele [talibã] tinha nas mãos a autorização do Escritório do Combatente da Jihad, nova exigência para a entrada de jornalistas, que custou US$ 300 [R$ 1.650]. Fomos levados por outro talibã para uma sala ampla, com muitos buquês de rosas artificiais felicitando-os pela tomada do poder”.
Lourival contou que passou por várias blitz durante o percurso: “Segui em outro carro, com o produtor, motorista e segurança pelas cinco horas de estrada entre Torkham e Cabul. Passamos por cinco postos de controle dos talibãs sem sermos parados. Só fomos parados na entrada de Cabul e o guarda perguntou se queríamos tomar chá ou almoçar com eles. Não percebeu que era estrangeiro, nem jornalista”.
O jornalista e analista da CNN Brasil disse que gosta de entrar fundo naquilo que faz e, para isso, usou vestimentas adequadas e deixou a barba crescer para se “tonar um deles”: “Eu estava sentado na frente, e concluí que tinha valido a pena deixar a barba crescer e vestir a bata, chamada de kamiz, usada pelos homens locais: estava me fazendo passar por um deles. Como medida de segurança e também como de trabalho, procuro me misturar às pessoas locais em todas as minhas coberturas”.